22/10/2010

Escritório

Escritório foi criada para uma rodada do blogue Caneta, Lente e Pincel tornando-se uma peça com o texto de Igor Dias.


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Esse barulhinho cotidiano
de passos, de máquina de escrever,
de janelas batendo sem querer
ou de trovão, é, sem qualquer engano,

uma angústia torta do ser humano,
que se fia nele sem perceber,
mas de um jeito estranho, sem o poder
que se costuma atribuir, e o plano

é, então, musicalizar as bossas,
empoderar esses surdos ruídos
pra que os tímpanos dos homens recebam

as catarses dos dias destruídos
na minúcia da rotina, e que sejam
felizes no curtir de suas fossas.

Música: Gilson Beck.
Texto: Igor Dias.

02/10/2010

Cibele

Cibele é um conto electroacústico criado para uma rodada do blogue Caneta, Lente e Pincel tornando-se uma peça com o texto de Fabiano Vianna.


A garota nua correu em direção ao beco e eu fui atrás. Sua pele alva contrastava com as paredes escuras abarrotadas de trepadeiras. Cabelos ruivos revoltos. A ruela era tão estreita que a luz que entrava por cima era extremamente escassa, tampada pelos imensos prédios. Apressei o passo para não perdê-la de vista, ora afastando galhos que se prendiam das paredes. Pistola armada com silenciador. O chão também era de musgo. Escorregadio pacas. Clima úmido como floresta. De vez em quando a garota olhava para trás para conferir se eu ainda estava. Começou a correr feito uma lebre. Tive que correr também. Odeio metamorfos. Já tinha a perdido outras vezes. Desta vez não podia falhar. Corria ligeiro, derrapando no limo. Tentei atirar. Feito gata, saltou numa escada de metal e subiu rapidamente. Fui atrás. Perdi alguns segundos. Músculos puxados – quase distendi. Quando olhei pra cima a vi chegando à cobertura. Fui de dois em dois, ofegante, até o topo. Meu pé de vez em quando falhava no lodo. Ultrapassei janelas de apartamentos abandonados. Cheiro de ar puro em céu aberto. Na cobertura, não encontrei ninguém. Nenhum sinal da ruiva fantasma. Apenas uma inofensiva borboleta vermelha voando entre os edifícios. Atirei. Caiu feito chumbo fazendo estrondo no beco. Olhei da ponta e vi a ruiva nua, morta, lá embaixo. Parecia pintura de Gustav Klimt. Corpinho branco e cabeleira vermelha. Um grande lago de sangue escuro sobre o manto verde. Tirei meu celular do bolso de dentro do paletó e fotografei. Enviei como anexo com a mensagem: Tá Feito! – a meu contratante.